segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Repensando a carreira

SÃO PAULO - Um problema de saúde na família levou Alberto Ferreira, presidente da SAP, a rever 20 anos de planejamento de carreira.
No dia 1o de agosto do ano passado, Alberto Ferreira, de 43 anos, assumiu em São Paulo a presidência da unidade brasileira da SAP, terceira maior empresa de software do mundo. A chegada ao comando da empresa alemã era a coroação de um meticuloso planejamento de carreira, iniciado 20 anos antes, quando Alberto era um engenheiro recém-formado e trabalhava na Jonhson & Johnson na área de informática. Na época, seu livro de cabeceira era a autobiografia de Lee Iacocca, ex-presidente da Chrysler, um dos maiores best-sellers de todos os tempos entre as publicações para executivos. Alberto escreveu na contracapa do livro um roteiro com os postos que pretendia ocupar. A meta era me tornar presidente de uma grande empresa até 2009, diz.
Todos os anos, Alberto revisava o plano. Com o auxílio do planejamento, especializou-se em marketing e finanças. Conseguiu construir uma bela carreira executiva. Ocupou a vice-presidência das operadoras de telefonia Intelig e Vivo. Depois, optou pelo posto de CEO da Carlson Wagonlit Travel, agência de viagens do grupo Accor, pelo desafio de promover uma reestruturação. Em paralelo, exerceu o empreendedorismo ao criar a marca de cervejas Baden Baden, que vendeu no ano passado para a Schincariol.
Ao fechar com a SAP, Alberto lembrou do plano de carreira. Conquistei muita coisa na profissão e na vida por causa desse plano aqui, diz ele, apontando para o livro remendado com fita adesiva. Só que não houve tempo para comemorações. Na manhã de 10 de agosto, seu décimo dia de SAP, enquanto Alberto dirigia seu carro rumo ao escritório da empresa, sua mulher, a relações-públicas Renata Monte Alegre, de 38 anos, sofreu em casa, no colo do filho, de 9 anos, um acidente vascular cerebral. Numa escala crescente de gravidade que vai de 1 a 5, o nível do derrame de Renata foi 4. Com a mulher encaminhada para a UTI do Hospital São Luiz, onde ficaria por um mês em coma induzido, Alberto voltou a atenção para o filho. Acalmou o garoto e convenceu-o a ir para a escola. Papai vai te buscar na hora do almoço e te contar tudo o que está acontecendo, disse na hora.
Mesmo se Alberto estivesse com a vida pessoal em ordem, ingressar na SAP não seria moleza. Ele recebeu a missão de promover uma virada na filial. O mercado das grandes companhias, em que a SAP sempre nadou de braçada, estagnou. O grande desafio da fornecedora alemã é emplacar uma versão compacta de seu sistema de gestão entre as pequenas e médias empresas. Para ter uma idéia, após a entrada de Alberto, 40% das pessoas foram substituídas. Com o incidente, aquela história de primeiros 100 dias de adaptação foi por água abaixo, recorda. Nas reuniões, Alberto sentia que todos respeitavam sua angústia, mas evitavam se aproximar. Alguns sabiam que seriam demitidos, diz.
Para se concentrar no trabalho durante os quase 50 dias em que Renata esteve hospitalizada, Alberto evitou imaginar como seriam a volta e a recuperação da mulher. Deixei na mão dos médicos. Sua rotina mudou. Passou a levar o filho para a escola e a chegar mais cedo em casa para tomar suas lições. Pela ordem, suas prioridades eram o filho e a mulher. A empresa vinha depois. No fim de setembro, os números não mentiram. No fechamento de trimestre, a empresa cumpriu apenas 48% da meta. Foi o pior desempenho da minha carreira, diz. Uma queda nas vendas era esperada tanto pela transição de comando quanto pela fase ruim do mercado. Mas Alberto calcula que, se não fosse o problema pessoal, o resultado ficaria na casa dos 70%.
Até então, o executivo vinha resistindo à hipótese de se afastar do cargo. Tinha lutado 20 anos para chegar lá. Não ia desistir facilmente, diz. Numa sexta-feira, dia 28 de setembro, quando entregou o péssimo número do trimestre ao chefe, ele pensou em desistir. A empresa não iria aceitar aquele resultado novamente. Quando chegou em casa à noite, derrotado, recebeu duas boas notícias. Seu filho contou que tinha garantido uma boa nota na prova de ciências, para a qual haviam estudado juntos. Três horas depois, o telefone tocou. Era uma pessoa do hospital dizendo que Renata, que saíra do coma três semanas antes, havia recebido alta. Na segunda, voltei revigorado para a SAP. Fizemos um resultado extraordinário no quarto trimestre, batendo as metas.
Passados sete meses, a recuperação de Renata surpreende até os médicos. Ela retomou suas atividades normais e voltou a trabalhar. As seqüelas são leves. Do episódio, a principal lição que Alberto extraiu para a carreira foi dar a dimensão exata para as coisas. Quando você vive uma situação dessas, os problemas de trabalho ficam pequenos. Sua referência é algo muito pior, diz. O plano de carreira foi fundamental para mantê-lo determinado a seguir em frente. Se não tivesse um objetivo, talvez eu desistisse. O que me segurou foi o valor que dou para o que já construí.

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